Com um deficit carcerário de exatas 139.266 mil vagas, o governo federal vai colocar em prática o monitoramento eletrônico para presos que cumprem pena em regime aberto. Em princípio, a medida — prevista em projeto de lei aprovado pelo plenário do Senado e já encaminhado para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — não deve causar grandes impactos no sistema prisional do país. Dos 473.626 detentos brasileiros, apenas 19.458 (algo próximo de 4,1% da população total) fazem parte do grupo que poderá usar as tornozeleiras ou pulseiras, instrumentos capazes de informar a localização, o horário e a distância de quem as usa.
A aprovação do projeto no Congresso é o primeiro passo de uma proposta mais ambiciosa a ser implementada pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen): soltar aproximadamente 80 mil presos, cerca de 17% da população total de detentos do país. Vigiados eletronicamente, os presidiários de baixa periculosidade deixariam as celas para dar lugar aos cerca de 4 mil novos presos que ingressam anualmente no sistema penitenciário. A medida é uma das soluções que o governo encontrou para minimizar a superlotação das cadeias.
Custos
Preocupado com a aprovação do projeto, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, diz que o texto agride a dignidade do ser humano. “O Estado está transferindo a pena do condenado da prisão para a família. Ninguém vai querer sair de casa com uma tornozeleira ou pulseira eletrônica”, acredita. “Essa proposta não tem a consistência necessária para reduzir a superpopulação carcerária. É subjetivo.” Ophir também cita a pressão dos empresários do setor. “Há uma insistência”, acrescenta ele, ao informar que a OAB deve criar uma comissão para analisar o teor do projeto. “Podemos pedir que o presidente Lula vete parte da proposição.”
Cada preso do sistema penitenciário do Brasil custa, em média, R$ 1,6 mil por mês. Com o uso das tornozeleiras ou das pulseiras eletrônicas, esse valor poderia cair para aproximadamente R$ 400, sem incluir o gasto pessoal necessário para a manutenção da fiscalização. Mesmo com essa economia, a deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ), ex-chefe da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil fluminense, é resistente a esse tipo de monitoramento. “Sou totalmente contra. Acho que é uma maneira de se controlar, mas também de se estigmatizar as pessoas. Elas vão ter uma marca em seu corpo.”
A parlamentar, que atuou por quase 20 anos na Polícia Civil do Rio de Janeiro, suspeita dos valores a serem gastos com o monitoramento eletrônico no país. “Vai se gastar muito dinheiro. Soube que só três firmas americanas têm a tecnologia, e no Brasil, só uma. Acho isso muito perigoso. Não vejo grandes vantagens nisso porque, com certeza, os presos vão arrumar maneiras de tirar. Quem quiser fugir vai tirar. Se até um chip implantado sob a pele eles conseguem remover, imagine uma pulseira”, opina Marina.
Violação
Para a deputada, o projeto aprovado pelo Senado representa a falência do Estado. “E, pensando naqueles que realmente querem se inserir novamente na sociedade, acho isso de uma agressão tremenda. É uma violação dos direitos humanos. Isso representa a falência do Estado. É o Estado dizendo: ‘Olha, eu não tenho como saber se o preso da condicional está ou não voltando’. Com isso, a pessoa não vai poder mais andar de short na rua. Não pode ir à praia. Isso não é reinclusão social”, critica.
Adotado em alguns estados norte-americanos, na França, na Inglaterra, no Canadá, na Nova Zelândia, na Suécia e em Portugal, o monitoramento eletrônico para presos está em teste nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraíba. Pernambuco, Distrito Federal e Alagoas já utilizaram a novidade. O Rio Grande do Sul é a próxima unidade da Federação a experimentar as tornozeleiras em parte de seus detentos. Procurado pela reportagem desde sexta-feira passada, o Depen, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, não retornou as ligações até o fechamento desta edição. Limitou-se a enviar, por e-mail, um quadro geral com o número de detentos que cumprem penas no sistema carcerário e nas delegacias de polícia.
Big Brother
Monitorados dia e noite por uma central, os presos do regime aberto que poderão utilizar o monitoramento eletrônico — de acordo a decisão do juiz — serão submetidos a intensa fiscalização.
# A pulseira ou tornozeleira deve contar com um sistema similiar ao de um GPS (Sistema de Posicionamento Global)
# O detento deve fornecer o endereço da família a ser visitada e onde poderá ser encontrado enquanto estiver com a pulseira ou tornozeleira eletrônica
# No período noturno, não poderá sair da casa que foi visitar
# Não é permitido frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos similares
# Se quiser participar de algum curso ou assistir a aulas dos ensinos fundamental e médio, será autorizada apenas pelo tempo de duração das atividades escolares
# Caso saia da área delimitada, um alarme sonoro é disparado na pulseira ou tornozeleira e a central de monitoramento é informada em tempo real da infração
ponto crítico
Você concorda com a implantação da tornozeleira eletrônica?
SIM
David Teixeira de Azevedo Professor de direito penal da USP e advogado criminal
“O baixo custo no monitoramento do cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto; a efetividade da pena e do regime aberto — hoje é um 'faz de conta' o controle real da observância das condições judiciais e legais impostas ao condenado (proibição da frequência a determinados lugares, retorno para casa em horário certo etc.); a prevenção de fuga e fácil recaptura do condenado; a discrição do aparelho (tornozeleira e GPS); a já utilização do localizador em países respeitadores dos direitos humanos (Suécia, França, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia), tudo aconselha a tornozeleira ou pulseira eletrônica como instrumento de efetividade do magistério punitivo estatal a quem cumpre pena e tem legais e legítimas restrições jurídicas em sua esfera pessoal.”
NÃO
Cezar Britto Ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
“O projeto, embora bem-intencionado, dificulta a ressocialização do preso no que se refere ao regime aberto, que hoje aplica penas alternativas. Essas sanções são muito mais importantes para ressocializar do que criar uma marca de identificação para alguém que cometeu um determinado crime. As pulseiras ou tornozeleiras farão com que o ser humano seja apontado como um criminoso, dificultando assim a sua inserção social e no mercado de trabalho. Ninguém dará emprego a quem usa uma marca de crime. Ninguém permitirá que seu filho (a) namore a quem tem a marca pública de que cometeu um delito. O projeto, aplicado nos casos de regime aberto, é um retrocesso em relação à atual legislação brasileira. O monitoramento eletrônico só é eficaz nos casos de indulto (saídas temporárias).”
Caso de Luziânia como exemplo
Favoráveis à implementação do monitoramento eletrônico, parlamentares descartam ofensas à integridade física e moral do preso com o uso da pulseira ou tornozeleira. Citam ainda que o mecanismo viabiliza a concessão de benefícios aos detentos como é o caso dos regimes aberto e semiaberto, ou progressão para esses regimes, o livramento condicional, a suspensão condicional de pena, além de saídas temporárias no semiaberto. O projeto de lei nº 175/07, que trata da fiscalização à distância de presidiários, altera a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) e pode ser adotada por decisão do juiz.
Satisfeito com a aprovação da proposição, o senador Demostenes Torres (DEM-GO), relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), enumera os benefícios. “É positivo. Hoje não temos nenhuma espécie de monitoramento. A lei prevê que a pessoa tem que ser acompanhada. Só que a carência do Estado em contratar funcionários é algo extraordinário. Então ninguém vigia ninguém. Pressupõe-se que a pessoa esteja trabalhando, estudando e cometendo atos regulares”, observa.
No entanto, de acordo com o senador, a realidade é bem diferente. “Quem sai para o regime aberto está matando, roubando, estuprando”, ressalta. “O índice de reincidência é muito grande.” Na avaliação de Demostenes, o projeto de lei vai propiciar que os delinquentes sejam fiscalizados. “Em vez de contratar pessoas para acompanhar o preso que sai da cadeia e está cumprindo a pena que o juiz impôs, você mete nele uma tornozeleira ou uma pulseira, que não estigmatiza a pessoa, porque não estará a mostra, e o juiz terá condições de acompanhá-lo o tempo todo, evitando casos graves como o do monstro de Luziânia (GO)”, diz, ao lembrar o caso do pedreiro Ademar Jesus da Silva, que confessou ter matado, estuprado e enterrado seis jovens da cidade goiana.
Autor do projeto, o senador Magno Malta (PR-ES) classifica o texto como o maior avanço na segurança neste momento. E se vale do mesmo exemplo. “Se o maníaco de Luziânia estivesse sendo monitorado, nada daquilo tinha acontecido”, diz. Questionado sobre uma possível violação dos direitos humanos para quem usar as tornozeleiras ou pulseiras eletrônicas, Malta explica que não há nenhuma ofensa. “A maioria dos presos que sai não volta. Temos que pensar na regra e não na exceção.”
Para o vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) da 3ª Região (São Paulo e Minas Gerais), Nino Toldo, o projeto é positivo. “A medida é boa e aumenta o controle do Estado em relação às pessoas que cumprem pena no regime aberto”, destaca. Apesar de descartar qualquer violação aos diretos humanos dos detentos, o juiz admite que, no caso das pulseiras, os presos podem passar por situações constrangedoras. “As pulseiras ficam mais visíveis e podem provocar algum constrangimento, mas quem cometeu um crime não deve estar imune a situações como essa.”
O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já é uma realidade desde abril passado. O novo departamento vai monitorar a implantação e o funcionamento dos sistemas de gestão eletrônica para execução penal e os mecanismos de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias em todo o Brasil. (RC)
Fonte:correiobraziliense
Sou Delegado de Polícia e totalmente contra esta medida.Mais uma lei inútil.
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