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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Forum Brasileiro de Segurança Publica: Entrevista do mês

Cel. Luciene Magalhães de Albuquerque MG

Coronel da Polícia Militar e exerce a função de Subchefe do Estado Maior da Polícia Militar de Minas Gerais, Brasil. Ingressou na Polícia Militar em 1981, na primeira turma de Policiais Femininos do Estado de Minas Gerais. Foi Chefe da Assessoria de Comunicação da PM durante três anos e em 2004 foi a primeira mulher a assumir o Comando de um Batalhão formado por 800 policiais militares. Liderou a implantação do projeto Juventude e Polícia em seu batalhão, participando pessoalmente de oficinas de percussão, circo e grafite, ministradas por jovens do AfroReggae. Desde então é uma entusiasta do projeto, que se tornou um símbolo para diversas polícias do Brasil. Possui pós-graduação em Engenharia de Produção, Gestão em Segurança Pública e Comunicação Social .
Por Flávia Resende

No momento em que o país assiste a um dos maiores confrontos entre forças de segurança e o tráfico no Rio de Janeiro, a subchefe do Estado-Maior da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) Luciene Magalhães de Albuquerque, responsável pelo planejamento estratégico da instituição e pela sua gestão, fala da importância dos novos valores adotados pela Polícia de Minas.


Características como a capacidade de comunicação, o diálogo, o convencimento, a educação e a participação comunitária, segundo ela, são fundamentais para a Polícia Militar do estado. Estas características, que a coronel chama de femininas, em comparação ao uso da força física e o ímpeto, que ela considera tipicamente masculinas são hoje mais valorizadas na instituição que o enfrentamento armado. Segundo Luciene, o confronto também é necessário, mas deve ser o último recurso a ser usado pela polícia.


Primeira mulher a chegar a um cargo de comando da Polícia Militar no país, coronel Luciene diz que as mulheres em funções de poder na PM mineira não assustam mais. Mesmo porque, segundo ela, a Polícia Militar é uma atividade feminina, uma vez que o seu maior valor é o comprometimento com a vida. As iniciativas que a PMMG vem tomando para tornar a polícia mais comprometida com a negociação, a mediação e a participação comunitária, prevenindo a tomada das comunidades e, principalmente dos jovens, pelo crime organizado, é assunto desta entrevista.


Texto produzido pela parceria Fórum Brasileiro de Segurança Pública e portal
Comunidade Segura

A senhora diz que a presença de mulheres no comando da PM já é algo consolidado. Como isto é visto na polícia de Minas Gerais?

O ingresso da mulher na PMMG já tem 30 anos. Internamente é uma realidade bem consolidada. A sociedade é que vê isto como uma novidade. Fui a primeira mulher a comandar uma tropa masculina no Brasil, como capitão, em 1992. Embora houvesse policiais femininas há mais tempo nos outros estados, em São Paulo, por exemplo, onde existem mulheres na polícia há mais de 50 anos, ainda não existiauma mulher no comando de homens. Apesar de dizerem que mineiros são os mais machistas, isto não aconteceu na PM de Minas. O que havia naquela época, quando eu era sargento, não era bem preconceito, mas muita surpresa por parte dos policiais. Você imagine um policial, experiente, mais velho, ser comandado por uma menina de 19 anos? Hoje, no entanto, a presença das mulheres na polícia é muito natural, na academia, nos cursos de formação, é uma realidade. Mas hoje, depois de 30 anos, a gente sente por parte das mulheres, principalmente as civis, o valor de se ter uma mulher no comando de uma instituição tipicamente tida como masculina, como é a PM, embora a polícia seja uma atividade tipicamente feminina.

Poderia explicar?

Nós lidamos com a vida. Quer comprometimento maior com a vida do que o ser feminino? É menos da característica do masculino e mais do feminino que nós precisamos na polícia. Eu não estou falando com isto, que precisamos mais de mulheres do que de homens na PM. Mas das características femininas. Veja só como é necessário o papel da mediação, da negociação e da comunicação nas comunidades. São mais importantes que a força física e o ímpeto.

E isso se reflete na escolha dos policiais?

Quando nós escolhemos o perfil profissiográfico do policial que ingressa na instituição hoje, nós optamos por aquele que tem um perfil mais feminino. Não que queiramos uma polícia afeminada. Não é isto. Nós buscamos novos valores. Na década de 1980, a entrada da mulher na polícia de Minas teve o papel de humanizar a instituição. Isto estava escrito no edital. Não foi uma mudança que aconteceu do dia para a noite, mas foi uma decisão do Estado, já pensando em humanizar a polícia e que veio antes mesmo da Constituição Federal. Fomos a terceira polícia do Brasil a abrir para as mulheres. Hoje é preciso muito mais convencer, argumentar, do que usar a força. A polícia que quer ser preventiva tem de mudar comportamentos através de argumentos e não obrigar as pessoas a fazerem tudo na marra. A gente emprega mais a característica da comunicação no dia a dia do que a força física. Nós só nos utilizamos da força física em último caso, ou seja, se os outros meios não surtirem efeito.

A escolha de policiais com o perfil mais voltado para a comunicação é, portanto, algo institucional na Polícia de Minas?

Sim. Vejamos a necessidade de uma liderança participativa da polícia: se eu quero fazer polícia comunitária, tenho de ter policiais capazes de desenvolver participação na comunidade. Isto começa pelo recrutamento. Há seleção de um certo perfil psicológico do policial quando ele entra e ainda o desenvolvimento de habilidades voltadas para a participação comunitária, que são trabalhadas durante a formação destes. Nossa identidade organizacional é baseada nos direitos humanos e no policiamento comunitário. A missão da PM é garantir os direitos humanos e as liberdades. Com isto, estou garantindo tudo o que é necessário à vida, à liberdade, à incolumidade. A pessoa quando liga no190 quer garantir o direito dela. É nisto que nós temos de ser excelentes, ou seja, os maiores cumpridores dos direitos humanos. A nossa formação passa pelo conhecimento desses direitos e a nossa instituição é toda focada nisto.

Como é a relação da corporação com a Academia?

A PMMG tem parcerias com instituições de fora. Temos 30 anos de parceria com a Fundação João Pinheiro. Houve uma abertura para a questão científica e isto trouxe uma mudança de mentalidade nas lideranças da instituição. O papel da polícia há 30 anos era o ser uma força armada. Havia muita barreira entre a instituição e sociedade. Esta muralha foi quebrada com a entrada da mulher e a entrada do mundo científico na nossa instituição. Isto é uma bola de neve positiva. A mudança na instituição passa a ser mais rápida. Há espaço para a pesquisa, transparência e para as estratégias do mundo científico.

A senhora liderou a implantação, em 2004, do projeto Juventude e Polícia, que promove a aproximação entre jovens e policiais nas comunidades através de oficinas de arte e de esporte.
Como se deu isto?

Existia um preconceito grande entre os jovens e a polícia. Nas estatísticas, quem comete e é vitima do crime são os jovens. Então, para a polícia, a imagem que se tinha, era que o jovem de periferia era o jovem envolvido com o crime. Por outro lado, a juventude também tinha preconceito contra a polícia. Nós entramos num espaço que é deles só para limitar e nos momentos de crise. Isto sem contar que os jovens estão numa faixa etária de rebeldia, de utopia, de difícil convívio, até pra os seus pais e familiares, que têm de lidar com eles. Este era o segmento do qual precisávamos nos aproximar. Mesmo porque, quando o policial entra no aglomerado no momento de crise, a reação do jovem é mais inconsequente e violenta. Era uma questão de sobrevivência nossa e da filosofia da nossa instituição nos aproximar destes jovens. Mas como aproximar deles,

se até os pais têm dificuldades? Era um desafio.Como isso foi feito?

O AfroReggae tinha a forma de acessar os jovens. Eles tinham algo muito forte para a juventude, que são a arte e o esporte. A partir do contato com o grupo, nós identificamos e especializamos alguns policiais para que eles se tornassem dançarinos de street dance. Descobrimos também policiais grafiteiros, por exemplo, e outros que jogavam basquete de rua. Eles foram treinados nestas habilidades e foram implantadas oficinas para os jovens. Era necessária muita coragem do policial para enfrentar este desafio. Eles tinham de dar conta não somente da resistência dos jovens, mas principalmente dos colegas de profissão. Esta atitude nada mais foi do que a quebra de mais um muro para começar uma comunicação. Você traz o jovem de periferia para uma coisa que ele gosta. Imagina como é difícil se aproximar de um pixador? Você faz isto quando o traz para o grafite, por exemplo.

A ideia é incluir o jovem através de uma atividade que ele conhece e se identifica?

Sim. E o mais importante é a transformação mútua que esta atitude proporciona e não é só o jovem que muda. Ele passa a ser um professor de direitos humanos do policial. Alguns colegas até brincam por causa do meu excesso de empolgação com esta ideia, me chamando a atenção para a importância do conhecimento teórico na PM. O policial precisa da formação intelectual da Academia, mas quando ele escuta do jovem o que este sente durante uma batida, a atitude da polícia se transforma rapidamente. Nós temos oficinas que promovem isto diretamente. As de teatro e de vídeo, por exemplo. Os policiais fazem papel de jovem e o jovem de policial. A oportunidade que existe a partir deste trabalho é a troca de papéis entre jovens e policiais. Isto é transformador para os dois lados. Quebram-se barreiras, você vê muito sentimento rolando, a mágoa que existe dos dois lados e, com isto, você constroi uma nova relação.

Quais são os resultados deste programa?

Entre 2004 e 2009, capacitamos 513 policiais militares e sensibilizados 5.475 jovens de 34 aglomerados. Mas também já perdemos dois jovens para o crime. Eles já tinham dívidas anteriores, sofremos muito, mas não teve jeito. Já vi jovens do Juventude e Polícia que sofreram agressão policial e que, surpreendentemente, não se revoltou.

Como a senhora vê os conflitos no Rio de Janeiro e a cobertura da mídia em geral, que prega uma lógica do bem contra o mal na luta contra o tráfico?

É o leigo que pensa na lógica do bem contra o mal. Para nós, que trabalhamos nos aglomerados, sabemos que as coisas não se dão assim. Mas é difícil para nós que estamos de fora, falar da questão do Rio de Janeiro. O Rio tem uma cultura diferente da nossa. Penso que a descontinuidade das políticas de segurança pública é um dos vários fatores que desencadeou esta guerra. Aqui nunca houve mudanças drásticas nas políticas de segurança, nem com as mudanças de governo. No Rio sim, e isto faz com que não haja crescimento da política. Outra questão é a prevenção, que é fundamental. Abrir oportunidades para a juventude é muito necessário. No entanto, não podemos ver estes fatos sob uma ótica simplista. Há o problema social. Mas também existe a questão da cultura, da diferença entre os estados.

Quais são as diferenças entre a política de segurança do Rio e a de Minas gerais no seu entendimento?

O que vem acontecendo hoje no Rio não é uma intervenção de polícia. Pelo menos não da polícia em que fui formada. É uma ação de um exército que está tomando um território. Para defender um território, muitas vezes você tem de sacrificar a vida. E a polícia é o contrário. Ela não visa a proteção do território. O foco é outro, ela é treinada para a proteção da vida. Aqui em Minas, a polícia está dentro dos aglomerados. Não existe um aglomerado, que tenha homicídios, que não tenha o Grupo Especializado de Policiamento em Áreas de Risco (Gepar). No policiamento comunitário há um vínculo que se constroi com a comunidade. Por exemplo, não há o anonimato do policial. A comunidade pode não saber o nome dos membros do Gepar, mas sabem identificá-los. Isto é um desestimulador da corrupção policial.

A senhora concorda com a afirmação de que o Brasil prende mal? Ou seja, as cadeias estão abarrotadas de pessoas que cometem pequenos delitos de e pequenos comerciantes de drogas, ao passo que os grandes traficantes estão soltos.

Sim. Enquanto não se trabalhar com a inteligência policial, você só prende aquelas pessoas que são visíveis no crime. O traficante, mesmo, é limpo. Você não consegue formalizar uma denúncia contra ele, instaurar um processo, muito menos cumprir um mandado de prisão. Para tanto, é preciso um trabalho de médio prazo. com cada corporação fazendo o seu papel. A Polícia Federal investiga uma pessoa por três, quatro anos, e uma hora ela prende. Isto é trabalho de inteligência que tem de ser estimulado. Outra questão é investir no usuário. Como qualquer produto a venda das drogas tem três lados, o traficante, o consumidor e o produto. Não adianta só combater o tráfico e apreender o produto. Muito pelo contrário, o Estado que combate somente os dois lados tem a situação agravada. O preço da droga sobe com as apreensões porque vai ter menos produto no mercado. É a lei da oferta e da procura. Outra coisa é o combate aos traficantes. Lembro que quando prendíamos um, pensava no conflito que aconteceria para que outro tomasse o seu lugar.

Mas como fazer isso?

O dependente de drogas é um tipo muito especial. Ele faz qualquer coisa pelo produto. É preciso, portanto, tratar o dependente. Na Pedreira Prado Lopes, onde tínhamos a chamada cracolândia, fizemos isto*. Fazíamos o recolhimento dos dependentes de crack através do convencimento. Houve muito investimento na capacitação dos policiais através de assistentes sociais. Às vezes a mesma pessoa era recolhida dez vezes, até que conseguisse se internar. A ação era difícil e muitas vezes desestimuladora para os policiais, mas quando víamos alguns dependentes se tratando, isto nos fazia continuar. É algo transformador e que deu resultados.

A senhora vê na descriminalização das drogas um caminho para o fim da guerra do tráfico?

Nossa sociedade não permite ainda isto. Não temos ainda um nível de educação que seja apropriado para dar um bom resultado para a escolha ou não do uso das drogas. O Brasil é muito grande e tem uma educação deficitária. Eu concordo com a descriminalização do usuário. Mas há um problema: do que adianta se ele não é educado para uma escolha consciente? É por isto que tiramos muitos policiais efetivos das ruas para serem instrutores do Programa de Resistência às Drogas (Proerd), programa baseado no Drug Abuse Resistance Education, dos Estados Unidos. O objetivo principal é reduzir a violência e prevenir o uso de drogas por crianças e adolescentes através de lições ministradas por instrutores militares nas escolas. Precisamos diminuir a atração dos jovens pelas drogas o mais cedo possível. Mas não fazemos nenhuma lavagem cerebral nestes jovens. Não dizemos que as drogas são ruins, por exemplo. Pelo contrário, elas são boas, por isso atraem. As consequências do seu uso é que são ruins.

A polícia de Minas está investindo na educação dos jovens?

Minas é o estado do Brasil em que mais cresce o número de jovens que estão freqüentando o Proerd. Aqui, diferente de outros estados, cada comandante de batalhão tem metas com a juventude. A polícia também faz este papel da educação. Por mais que a sociedade fale que tem medo da polícia, que exista a ideia do policial truculento, há um fetiche em relação ao policial, principalmente das crianças. Ainda há respeito. Quando chegamos nas escolas com o Proerd, costuma ser um alvoroço, um dia de festa. As diretoras também costumam nos receber bem. A polícia, ao abordar o tema das drogas, parece ser mais legítima para tratar deste tema que os professores. O Batalhão 34ºda PMMG, por exemplo, atingiu 100% das escolas da sua região. Nós temos pesquisas fora do estado com jovens adultos que freqüentaram o programa que diz que o número de jovens envolvidos com quaisquer atos de violência é mínimo. Ainda não temos estes dados em Minas. Aposto, no entanto, que ninguém tem oportunidade de decidir sem informação. E isto se dá em relação às drogas. Veja o caso dos usuários da cracolândia. Só pelo fato da pessoa decidir pelo uso do crack, você vê que ela não tem informação. O sujeito não está escolhendo uma droga. Ela está escolhendo a morte. Será que ele é consciente disto? E ainda sim ele se guia pelo baixo custo, dizendo ser a droga mais barata. Não é. * Projeto Pedreira em Paz e Limpa, desenvolvido pelo estado de Minas em 2006, que garantiu recursos para o tratamento de 300 usuários de crack em comunidades terapêuticas conveniadas. Após seis meses do projeto, 75% dos viciados, segundo dados do estado, tinham deixado o local.

Fonte:forumsegurança.org.br

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